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Conteúdo anterior Anterior O chamado «mundo real» não nos irá desencorajar de funcionarmos de acordo com as nossas configurações por defeito, já que o chamado «mundo real» dos homens, do dinheiro e do poder funciona muito confortavelmente com o combustível do medo, do desprezo, da frustração, do desejo insaciável e da adoração do eu. A nossa cultura contemporânea tem explorado estas forças de maneira a produzirem níveis extraordinários de riqueza, conforto e liberdade pessoal: a liberdade de sermos todos senhores dos nossos minúsculos reinos, do tamanho dos nossos crânios, sozinhos no centro de toda a criação. Este tipo de liberdade tem muito que a recomende.Mas claro que há imensos tipos de liberdade, e da do tipo mais precioso não ouviremos falar nunca no grande mundo exterior do lucro, da realização pessoal e do exibicionismo: o tipo de liberdade realmente importante tem a ver com atenção e consciência, disciplina e esforço e sermos capazes de nos preocuparmos verdadeiramente com as outras pessoas e de nos sacrificarmos por elas, repetidamente, de um sem-número de formazinhas insignificantes e nada sexys, todos os dias.Isso é a verdadeira liberdade.Conteúdo seguinte Seguinte Solte os Cachorros, 1979É um assunto difícil de deslindar, esse de macho e fêmea. É mais difícil entender coisa do que alma. Um dia fiquei olhando pra um abacaxi por muito tempo e cheguei à conclusão que entendia mais Deus que aquela coisa cascuda. Por isso mesmo eu acho fascinante a concreteza do mundo, a massa compacta e fumegante do angu. Era a pessoa mais infeliz do universo se não tivesse ressurreição da carne. Mas porque tem, mesmo ficando velha e torta como tou ficando, eu saio assobiando e pulando num pé só, de tanta satisfação. Corpo é fora de série. Veja se estou errada: eu amo a Deus, em espírito, é com meu corpo, porque quem levita é ele, é ele quem fica extático na montanha sagrada e recebe os estigmas e as tábuas da lei. Com pouco, desvio do assunto. Machismo existe, tá aí sorrateiro, enfiado por tudo quanto é canto. […] Tou cheia de aguentar o papa, o presidente da república, o ministro, o prefeito, o magnífico reitor, o açougueiro, o padeiro, o padre, o meu pai, o meu avô, o meu irmão, o meu filho, o pai do meu filho, o anjo gabriel, satanás, tudo homem. Eu falo é sério e falo com crédito porque desde pequenininha que eu gosto de homem. Nunca achei graça em brinquedo só de menina, não vou em chá de amizade, clube onde homem não entra. Penso que estou certa porque no livro da Bíblia, logo na primeira página, está escrito: "Deus fez o homem e o fez macho e fêmea" e isto quer dizer que somos iguaizinhos no valor. A boa diferença é só pra obrigação e amenidades. E olha, num tempo de escravidão como era aquele tinha que ser muito inspirado mesmo pra escrever uma coisa bacana dessas. Quase dois mil anos, e muita gente por aí não entendeu. Porém concordo: tem que ser muito homem pra entender.