De servos e amigosPara compensar o desaparecimento teológico do Pai, preenchemos a devoção com um sentimentalismo que, sem qualquer base teológica, não passa, na verdade, de um voluntarismo. Mas se retirarmos a racionalidade à fé, se arrancarmos qualquer entendimento racional a Deus Pai, restam-nos apenas o sentimento e a vontade, o que nos leva a uma oração feita de intermináveis novenas, práticas supersticiosas e rituais pagãos apenas superficialmente envernizados de cristianismo. O mais terrível é termos continuado a chamar Pai a este deus voluntarista. Deste modo, oferecemos aos homens uma visão completamente distorcida da paternidade divina, afastando-a definitivamente da Revelação cristã, e contribuindo, de modo decisivo, para a rejeição de uma e de outra.Como se a relação com Deus dependesse da recitação de fórmulas mágicas, procurámos a oração mais poderosa, a prática mais eficaz… Desapareceu a preocupação com o «como posso crescer no amor?», e passámos a pensar antes em «Quais são as orações corretas para rezar? E quantas vezes o devo fazer?» Deste modo, o amor foi substituído pelo medo, e transformámos o vínculo que une um filho a um pai num problema técnico, e a obediência livre numa submissão de escravos, numa tentativa muito mal disfarçada de nos apoderarmos de Deus, de conseguirmos algum poder sobre Ele, tentando corrompê-lo e domesticá-lo, como se faz com os poderosos deste mundo. E ao Jesus que nos diz «Já não vos chamo servos, mas amigos», respondemos: não, obrigadinho, preferimos continuar a ser escravos.